Por Luiz Carlos Azenha
O governador Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, importou o Tolerância Zero, de Nova York, ao contratar o ex-prefeito novaiorquino Rudolph Giuliani como consultor.
Há várias piadas nesta frase, todas elas bancadas pelo contribuinte do Rio de Janeiro.
A primeira é sobre o próprio Tolerância Zero, do qual posso falar em primeira pessoa, já que eu morava em Nova York quando a ideia foi implantada, estudei e fiz reportagens a respeito.
A ideia básica que sustenta o Tolerância Zero é, francamente, estúpida: um carro abandonado não será depenado em uma comunidade (i.e., bairro de pobres) se a primeira janela não for quebrada, ou seja, se os moradores tiverem medo daquela primeira ação, que na teoria, detonaria ações subsequentes, ou seja, a destruição completa do carro abandonado e uma tremenda onda de criminalidade. Dado aquele acontecimento-chave, até a vovó sairia de casa para assaltar.
É mais ou menos como a Teoria do Dominó, aplicada nas relações internacionais: uma vez perdido o Vietnã, primeiro a Ásia e depois o mundo todo se tornariam comunistas (de onde concluímos que, com a perda do Vietnã, vivemos em um mundo comunista).
Dito em outras palavras, a polícia teria de injetar uma quantidade suficiente de terror na comunidade (i.e., bairro de pobres) para evitar aquela primeira janela quebrada.
É uma ideia neo-fascista, que transforma um automóvel abandonado numa espécie de fetiche das “classes despossuídas”. Que o ex-prefeito de Nova York tenha conseguido transformar isso numa oportunidade de ganhar dinheiro diz muito sobre a infinita capacidade dos norte-americanos de transformar ideias tolas em “consultorias” lucrativas. Mas é forçoso considerar que uma ideia-jeca jamais vingará sem um consumidor-jeca.
O Tolerância Zero foi absolutamente desmontado nos Estados Unidos quando decidiu-se comparar as estatísticas da criminalidade em Nova York com a de outras cidades, na mesma época, com a óbvia conclusão de que havia uma “incrível coincidência”: a queda da criminalidade tinha se estendido a cidades que NÃO tinham adotado o Tolerância Zero. Na verdade, a queda no número de ocorrências tinha acompanhado um dos ciclos de expansão da economia norte-americana.
Mas, assim como conseguiram exportar modelos ultrapassados de automóvel no tempo da produção industrial, no mundo das ideias os norte-americanos conseguem o incrível feito de exportar, com a marca de “futuro”, ideias já ultrapassadas em casa. Palmas, outra vez, para o marketing dos gringos.
A partir disso, há duas possibilidades para enquadrar o governador do Rio de Janeiro: um afoito deslumbrado, que comprou gato por lebre; ou um político realmente esperto, que deriva alguma vantagem do contrato com o ex-prefeito de Nova York.
Sabe-se lá quem Giuliani representa hoje em dia, mas não seria loucura imaginar que ele quer nos vender escudos anti-motim, gás pimenta e outros apetrechos para “preparar” o Brasil para enfrentar o bin Laden, os hooligans britânicos e a turma do Pinheirinho, tudo ao mesmo tempo, durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 (esta frase mágica blinda qualquer político brasileiro de explicar qualquer gasto público, por mais bizarro que seja).
Dia desses eu conversava com a repórter Heloisa Villela, outra veterana em Estados Unidos (com mais de duas décadas por lá) sobre a intenção do governador Cabral de implantar o Tolerância Zero no Rio SEMpagar aos policiais do Rio um salário compatível com o recebido pelos policiais de Nova York, que não sobem morro, conhecem a coleção completa do Dunkin’ Donuts e cumprem a tarefa sombria de vigiar os veranistas do Central Park.
Donde ocorreu que seria interessante falar um pouco mais sobre os salários dos policiais, bombeiros e professores dos Estados Unidos, apenas para efeito de comparação. Foi por isso que a Heloisa escreveu um pequeno texto, que terá continuidade em outros posts:
“O salário inicial de um bombeiro em Mobile, Alabama, é de cerca de 1.580 dólares por mês. Em Nova York, o salário inicial pode ser de 3.300 dólares mensais. Quase dobra de uma cidade para a outra. Mas o custo de vida em Mobile e em Nova York também sofre a mesma discrepância. Nas duas cidades, o salário médio dos bombeiros é o seguinte: 3.100 dólares mensais para o bombeiro de Mobile (R$ 5.270) e 6.000 dólares (R$ 10.200) para o de Nova York.
Os policiais de Nova York, famosos no mundo inteiro por conta dos seriados de TV, não são, nem de longe, os que ganham melhor no país. Aliás, nos últimos anos, a cidade perdeu muitos policiais para municípios e cidades vizinhas, por conta de salários mais atraentes. Muitos também foram trabalhar no Corpo de Bombeiros até que a cidade proibiu que transferissem, também, gratificações decorrentes da experiência. Para ir de uma corporação a outra, agora, eles têm que recomeçar do zero. Mas vamos aos salários: o último acordo coletivo garantiu um aumento do salário inicial dos policiais nova-iorquinos de 35.880 por ano para 41.975. Ou seja, subiu de 2.990 dólares mensais para 3.497. Na média (contando tempo de serviço) o salário médio dos policiais que patrulham as ruas, em Nova Jersey, é o mais alto do país: 7.556 dólares por mês (o equivalente a 12.845 reais por mês) contra 4.750 para os de Nova York (8.075 reais mensais) e 4.333 no Alabama (7.366 reais mensais).
E os professores? Bem, um site de educadores americanos (www.teacherportal.com) se deu ao trabalho de fazer um levantamento dos salários do país e comparar o que os professores ganham, em cada estado, com o custo de vida do local. Daí, concluiu que o melhor estado para abraçar o magistério é Illinois, onde o presidente Barack Obama construiu a carreira, e o pior, o Havaí, onde ele nasceu. O Alabama é o décimo terceiro da lista, com salário médio inicial de 2.614 dólares mensais enquanto em Nova York, o salário inicial de um professor é, em média, de 3.110 dólares por mês. Mais alto. Porém, considerando o custo de vida, o estado de NY é o trigésimo oitavo da lista do país”.
Segundo o site, o salário inicial de um professor em Nova York é de U$ 37.321/anuais e o salário médio é de U$ 57.354/anuais. O que, considerando o dólar a R$ 1,70, daria hoje, em Nova York, piso de R$ 5.287,00 mensais para os professores (sem considerar os benefícios, que são muitos nos Estados Unidos) e R$ 8.125,00 de salário médio.
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