sexta-feira, 2 de março de 2012

Conexão Jornalismo - Música independente gera receita própria e remunera 13 mil músicos

Jovens criaram modelo próprio de gestão e divulgação
Movimento musical independente chamado Fora do Eixo faz público e gera receita. Muito longe de gravadoras e redes de TV. E vão bem, obrigado.

Do Blog do Rovai

O meu amigo Antonio Martins que não é de ficar bancando de sabichão sem se aprofundar no tema acaba de publicar um artigo com sete vídeos no site do Outras Palavras. Merece leitura e reflexão.
Um trecho resume boa parte do contexto: “Os R$ 12 milhões que o Fora do Eixo gastou em 2011, com música, certamente não pagariam um dos espetáculos das turnês de circuito internacional que frequentemente vêm ao Brasil. Se viabilizaram 5 mil shows e contribuíram com a produção de 13,5 mil músicos, é porque algo fundamental mudou.” Não deixe de ler e assistir.
Por Antonio Martins | participou Bruna Bernacchio
Quem acompanha a cena cultural brasileira e o debate que ela desperta, ouviu provavelmente falar sobre a Rede Fora do Eixo (FdE). Existe há menos de sete anos. Surgiu singela: uma articulação entre coletivos de jovens, inconformados com a pobreza e mesmice da “arte” que os circuitos tradicionais oferecem ao interior do Brasil. Começou de onde, em geral, se espera pouco: Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR) – quatro cidades distantes do mar e do glamour de Rio-São Paulo. Soube ir além da crítica: os garotos e gurias queriam montar festivais, shows, turnês – e não apenas desprezar a indústria cultural, em discursos com ar blasé.


Veio na hora certa. Desejos parecidos pulsavam em todo o país e o Fora do Eixo parece ter no DNA o espírito de compartilhamento. A experiência reunida por cada coletivo gera um acervo comum de tecnologias sociais, transmitido e renovado incessantemente em encontros, residências, congressos ou pela internet (veja algumas apresentações). A rede adensou-se rápido. Hoje, são 73 coletivos, em 112 cidades brasileiras e em quatro países da América Latina. Sua atividade é impressionante: em 2011, os grupos colocaram em contato com o público 13.500 músicos independentes, em 5.152 shows, 150 turnês e 170 festivais. Seus palcos principais são praças, universidades, casas-sedes dos coletivos. Nestes locais também funcionam centros de distribuição, onde é possível ter acesso a 3 mil produtos – de CDs, DVDs e livros a camisetas e chaveiros.
Em 2011, o Fora do Eixo também armou um salto estratégico. Em março, dezenove gestores, originários de coletivos em todo o país, alugaram e habitaram uma casa em São Paulo, maior metrópole e polo de difusão cultural do país. A presença multiplicou a visibilidade e a repercussão da rede. Ela foi tema de matérias em revistas e emissoras de circulação nacional, como Trip eMTV; recebeu prêmios como o Bravo! (por “melhor programação cultural”), firmou parcerias com casas de show como Studio SP.
* * *
Para quem busca, como Outras Palavras, refletir sobre a superação do capitalismo, há algo ainda mais provocador, no Fora do Eixo, que seu sucesso surpreendente. É o fato de este êxito ter sido alcançado precisamente porque os coletivos adotam, em seu trabalho e quotidiano, valores e lógicas contra-hegemônicas. Colaboração, ao invés de competição. Compartilhamento da renda. Uso de moedas paralelas, cuja administração é feita de modo consciente. Desierarquização, decentralização e transparência Formas diversas de democracia direta. Tudo o que é apontado pelo pensamento conservador como causador de ineficiência, desestímulo e caos, o Fora do Eixo transforma em fontes de sua energia.
Talvez a primeira peculiaridade esteja na própria relação entre artistas e público – inclusive no que diz respeito à remuneração. A celebridade reluzente dos pop-stars não seduz nem coletivos, nem plateias. A produção dos shows é eficaz, porém espartana. Assegura-se a qualidade do som e da iluminação – nada da parafernália de luzes, palco, camarins luxuosos, segurança impenetrável que caracteriza os mega-espetáculos. Porque a estética é oposta à deles: valoriza despojamento, naturalidade, intimidade entre os músicos e que assiste a eles.
Os R$ 12 milhões que o Fora do Eixo gastou em 2011, com música, certamente não pagariam um dos espetáculos das turnês de circuito internacional que frequentemente vêm ao Brasil. Se viabilizaram 5 mil shows e contribuíram com a produção de 13,5 mil músicos, é porque algo fundamental mudou. Uma multidão de jovens artistas já não se enxergam como candidatos a semideuses, mas como seres humanos dispostos a viver com dignidade de sua criação cultural.

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