quinta-feira, 1 de março de 2012

Conexão Jornalismo - A abertura chinesa, fartura de dinheiro na Europa e as lições que temos que aprender

Por Saul Leblon - Carta Maior



Em 68 dias, de 21 de dezembro último a esta 4ª feira, 29 de fevereiro, o BCE injetou mais de um trilhão de euros no sistema bancário da UE, a taxa de juros de 1% ao ano, com prazo mínimo de 3 anos para pagar. Se os banqueiros e acionistas decidirem - como de fato tem feito - não emprestar à produção dissolvente, nem ao consumo esfarelado pelo desemprego e o arrocho laboral, que outro destino lucrativo poderiam dar à chuva de dinheiro barato? Uma hipótese matemática: a taxa de juro real hoje no Brasil (descontada a inflação) é da ordem de 5%.


Se um banqueiro espanhol, digamos, apenas transferir a captação feita junto ao BCE para o mercado de títulos do país terá de volta remuneração suficiente para pagar o juro do seu papagaio junto a BCE e ainda embolsar um plus suculento, sem risco e até sem fisco (o capital estrangeiro disfarçado de investimento direto navega num mar de isenção). Mais ainda: na viagem de volta beneficia-se da valorização do Real, ao trocar seus ganhos em moeda nativa por dólares baratos. Irresistível? E não apenas à banca do euro, como também à do Japão, EUA e alhures.

O carry-trade que lambuza banqueiros e acionistas forâneos cobra um custo alto dos que residem e mourejam no Brasil. No ano passado, a balança comercial da indústria brasileira teve um déficit de US$ 90 bi; o parque fabril local cresceu apenas 0,3%, enquanto a demanda do varejo, ancorada pelo consumo popular, deu um salto de 7%. A diferença foi zerada pela importação maciça de manufaturados, transferindo empregos e produção para o exterior.

O saldo portanto é duplamente negativo: propiciamos ao capital especulativo comida, cama e roupa lavada; de brinde, transferimos aos parques fabris de seus respectivos países a demanda doméstica fortalecida em oito anos de governo progressista do PT. Que fazer se a liquidez especulativa, associada à guerra cambial, tende a se manter inalterada no horizonte visível da recuperação mundial?

Em seu artigo mais recente no Financial Times, Martin Wolf oferece um pedaço da resposta ao detalhar o que seria o plano de abertura financeira da China. O projeto ainda não oficial, divulgado pela agência de notícias estatal Xinhua, desdobra-se em três fases: I) a primeira, a ocorrer nos próximos três anos, abriria caminho para mais investimentos chineses no exterior uma vez que "o encolhimento dos bancos e empresas ocidentais deixou espaço livre para investimentos chineses" e, portanto, trouxe uma "oportunidade estratégica"; II) a segunda fase, a ocorrer entre três e cinco anos, aceleraria a concessão de empréstimos internacionais em yuans (*o que amplia o raio ação das operações de crédito vinculadas à aquisição de produtos chineses); III) no longo prazo, de cinco a dez anos, os estrangeiros poderiam investir em títulos, ações e propriedades na China.

A livre conversão do yuan - ao contrário do que ocorre no Brasil com a plena liberdade de capitais - seria o "último passo" a ser dado em algum momento não definido. "Esse passo também seria combinado com restrições aos fluxos de capital "especulativos" e à captação estrangeira de curto prazo. Em resumo, a integração plena seria adiada indefinidamente", informa Martin Wolf, um neoliberal com discernimento suficiente para indagar e admitir: "Quais as implicações do plano? A resposta é que o plano parece ser sensato", resume o editor do Financial Times. Algo a aprender?

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