Denúncias espantosas, mas sem efeito prático |
Reprodução de carta redigida pelo jornalista Celso de Castro Barbosa, ex-JB, que narra episódio do qual foi vítima por conta de uma resenha do livro Privataria Tucana - sucesso de vendas há quase três meses. Portanto, se era esperado que o livro-denúncia produzisse vítimas, ele cumpre seu papel. Infelizmente apenas do lado de cá. A CPI da privataria, por enquanto, é um espectro no Congresso. Segue a carta de Celso
Senhoras e senhores conselheiros da Revista de História da Biblioteca Nacional e da Sabin,
sou Celso de Castro Barbosa, brasileiro, jornalista profissional, 54 anos, há 36 em atividade. A essa altura da minha carreira julgava ter visto de tudo. Quanta ingenuidade...
Entre 5 de setembro de 2011 e 29 de fevereiro de 2012 fui o editor de texto da revista, subordinado à editora assistente Viviani Fernandes de Lima e ao editor e professor Luciano Figueiredo.
Depois de ler ‘A Privataria Tucana’, livro do premiado repórter Amaury Ribeiro Jr., destaque em todas as listas dos mais vendidos no país, sugeri a publicação de uma resenha no site da revista, haja vista o silêncio estridente com que livro foi recebido pela grande imprensa. Sugestão aceita, o texto foi publicado em 24 de janeiro de 2012, permanecendo à disposição dos leitores por nove dias até ser censurado e retirado do ar. Fato que me fez lembrar da ditadura militar, quando os gorilas de plantão ordenavam o recolhimento de alguma publicação que não lhes agradasse, mas, por conta da burocracia própria dos incompetentes, demoravam tanto a cumprir a ordem que os leitores recolhiam antes.
O que passo a contar agora não encontra paralelo em tudo o que vi e vivi em ambiente de redação. Em 1º de fevereiro fui chamado à sala do editor, que me comunicou o seguinte: que concordava com praticamente todas as observações da minha resenha; que o sr. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, mobilizara o alto escalão tucano para protestar contra o texto; que redigiria uma nota assumindo toda a culpa pelo episódio.
Sob meu protesto, pois entendia e continuo entendendo que ninguém é culpado de rigorosamente nada, disse ao editor que achava absurda a ideia de alguém assumir culpa. Afinal vivemos num país democrático, cuja constituição garante a todos os brasileiros o direito a opinião, sem falar da liberdade de imprensa. Disse ainda que o PSDB tinha todo o direito de reclamar, assim como o PT, que também não foi poupado na resenha. O editor insistiu em assumir o que chamou de culpa e, sem mais, nossa conversa chegou ao fim.
No dia seguinte, ao ler O Globo, o que primeiro me chamou a atenção na longa matéria sobre o imbróglio foi o fato de Luciano Figueiredo não ter assumido culpa ou responsabilidade alguma. O que chegou ao jornal foi uma nota mentirosa da Sabin, onde se lê que, ao contrário do procedimento padrão da revista, meu texto não fora lido nem avaliado pelos editores. Ou seja, que publiquei por minha conta.
Definitivamente, isto não é verdade. Meu texto foi, sim, lido e avaliado pelo editor do site, por minha chefe imediata e, ainda que depois de publicado, pelo próprio Luciano Figueiredo, que voltou de férias no dia 16. Com a publicação no dia 24 e permanência no ar na primeira página do site durante nove dias ele teve tempo mais que suficiente para ler, reler, avaliar e reavaliar.
Quem leu a matéria do Globo, reproduzida em jornais de todo o Brasil, há de concordar que fui exposto de forma vil, sem direito a defesa. Somente uma semana depois pude me manifestar na seção de cartas. Fui chamado, entre outros absurdos, de servidor público a serviço do aparelhamento do Estado. Lembro que embora cumprisse nove horas diárias de trabalho, não tinha sequer carteira assinada na Revista de História.
Gostar de um livro, senhoras e senhores conselheiros, não é crime. Já foi. Não é mais. Quanto à ameaça de processo por parte do PSDB, continuo aguardando uma decisão. Soube que desde que o livro foi lançado, em dezembro do ano passado, o presidente do partido ameaça processar o autor, mas, até agora, nada.
Esse episódio me levou a refletir sobre o papel de quem está no comando, especialmente porque tenho parâmetros. Fui chefiado por Marcos Sá Corrêa, para mim eterno exemplo de profissional correto e brilhante e de homem admirável. Não sou petista, muito menos entusiasta do governo Dilma e não tenho simpatia pela pessoa da presidente. Um fato, no entanto, me leva a admirá-la, ainda que parcialmente. O de não ter delatado seus companheiros de organização política, nos anos 1970, nem sob tortura. Admiração semelhante tenho por Roberto Marinho, que protegeu seus empregados sempre que foram atacados. Na ditadura e na democracia.
No caso da resenha, o que fez o professor Luciano Figueiredo? Fugiu de responsabilidades exclusivamente suas, ofereceu minha cabeça numa bandeja e sequer assinou a nota mentirosa da Sabin. É como se ele nada tivesse a ver com o episódio. E ele tem tudo a ver com o episódio. Não estou exagerando quando afirmo que imaginei já ter visto de tudo. De fato, é a primeira vez que vejo alguém mentir, mentir por escrito, e enviar a mentira, muito fácil de desmontar, aos jornais como fez o presidente da Sabin. Naturalmente, em defesa de minha honra, buscarei retratação e reparação.
Na verdade, apesar do pouco tempo de convivência, não foi essa a primeira manifestação de conduta, digamos, heterodoxa, do editor. Em dezembro ele já dera um sinal de sua maneira particularíssima de comandar, ao exorbitar do papel de editor e mandar que eu ajeitasse uma carta que pretendia enviar aos participantes de um festival de história que organizou em nome da revista. Tratava-se do comunicado de um calote. Os participantes, que se deslocaram até Diamantina simplesmente não receberiam o pagamento combinado. Luciano Figueiredo gostou tanto do texto final que me enviou esta mensagem: “Excelente. Até eu gostaria de receber um furo desse, edulcorado com essa prosópia.” A propósito, até a minha demissão, o editor jamais fez qualquer restrição ao meu trabalho como editor de texto da revista. Ao contrário.
Juntando os dois episódios – carta calote e nota da Sabin – apurei meu faro de repórter de forma a me proteger e saber com quem de fato estava lidando. Em consulta à página da Plataforma Lattes, do Cnpq, fiquei sabendo que o professor Luciano Figueiredo é contratado da Universidade Federal Fluminense em regime de dedicação exclusiva. Em consulta ao Gabinete do Reitor da UFFfui informado de que é vedado aos professores contratados sob este regime quaisquer atividades remuneradas, mesmo que relacionadas às suas áreas. E em consulta ao Ministério Público, fiquei sabendo que é crime acumular as duas funções.
Estou relatando esses fatos, senhoras e senhores conselheiros, porque considero o episódio da resenha muito grave, não só para a revista, mas para a democracia. E aproveito a oportunidade para propor uma reflexão. O que é mais grave: Luciano Figueiredo dirigir a Revista de História ou dar aulas na Universidade?
Na minha modesta opinião é muito mais grave ele dar aulas. Todos sabemos da grave crise educacional que o país vive há décadas. E de um professor, penso, não se espera que transmita apenas conhecimento. Ele também deve transmitir valores. Valores que o editor da Revista de História não cultiva e despreza.
Sem mais,
Celso de Castro Barbosa
Senhoras e senhores conselheiros da Revista de História da Biblioteca Nacional e da Sabin,
sou Celso de Castro Barbosa, brasileiro, jornalista profissional, 54 anos, há 36 em atividade. A essa altura da minha carreira julgava ter visto de tudo. Quanta ingenuidade...
Entre 5 de setembro de 2011 e 29 de fevereiro de 2012 fui o editor de texto da revista, subordinado à editora assistente Viviani Fernandes de Lima e ao editor e professor Luciano Figueiredo.
Depois de ler ‘A Privataria Tucana’, livro do premiado repórter Amaury Ribeiro Jr., destaque em todas as listas dos mais vendidos no país, sugeri a publicação de uma resenha no site da revista, haja vista o silêncio estridente com que livro foi recebido pela grande imprensa. Sugestão aceita, o texto foi publicado em 24 de janeiro de 2012, permanecendo à disposição dos leitores por nove dias até ser censurado e retirado do ar. Fato que me fez lembrar da ditadura militar, quando os gorilas de plantão ordenavam o recolhimento de alguma publicação que não lhes agradasse, mas, por conta da burocracia própria dos incompetentes, demoravam tanto a cumprir a ordem que os leitores recolhiam antes.
O que passo a contar agora não encontra paralelo em tudo o que vi e vivi em ambiente de redação. Em 1º de fevereiro fui chamado à sala do editor, que me comunicou o seguinte: que concordava com praticamente todas as observações da minha resenha; que o sr. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central no governo FHC, mobilizara o alto escalão tucano para protestar contra o texto; que redigiria uma nota assumindo toda a culpa pelo episódio.
Sob meu protesto, pois entendia e continuo entendendo que ninguém é culpado de rigorosamente nada, disse ao editor que achava absurda a ideia de alguém assumir culpa. Afinal vivemos num país democrático, cuja constituição garante a todos os brasileiros o direito a opinião, sem falar da liberdade de imprensa. Disse ainda que o PSDB tinha todo o direito de reclamar, assim como o PT, que também não foi poupado na resenha. O editor insistiu em assumir o que chamou de culpa e, sem mais, nossa conversa chegou ao fim.
No dia seguinte, ao ler O Globo, o que primeiro me chamou a atenção na longa matéria sobre o imbróglio foi o fato de Luciano Figueiredo não ter assumido culpa ou responsabilidade alguma. O que chegou ao jornal foi uma nota mentirosa da Sabin, onde se lê que, ao contrário do procedimento padrão da revista, meu texto não fora lido nem avaliado pelos editores. Ou seja, que publiquei por minha conta.
Definitivamente, isto não é verdade. Meu texto foi, sim, lido e avaliado pelo editor do site, por minha chefe imediata e, ainda que depois de publicado, pelo próprio Luciano Figueiredo, que voltou de férias no dia 16. Com a publicação no dia 24 e permanência no ar na primeira página do site durante nove dias ele teve tempo mais que suficiente para ler, reler, avaliar e reavaliar.
Quem leu a matéria do Globo, reproduzida em jornais de todo o Brasil, há de concordar que fui exposto de forma vil, sem direito a defesa. Somente uma semana depois pude me manifestar na seção de cartas. Fui chamado, entre outros absurdos, de servidor público a serviço do aparelhamento do Estado. Lembro que embora cumprisse nove horas diárias de trabalho, não tinha sequer carteira assinada na Revista de História.
Gostar de um livro, senhoras e senhores conselheiros, não é crime. Já foi. Não é mais. Quanto à ameaça de processo por parte do PSDB, continuo aguardando uma decisão. Soube que desde que o livro foi lançado, em dezembro do ano passado, o presidente do partido ameaça processar o autor, mas, até agora, nada.
Esse episódio me levou a refletir sobre o papel de quem está no comando, especialmente porque tenho parâmetros. Fui chefiado por Marcos Sá Corrêa, para mim eterno exemplo de profissional correto e brilhante e de homem admirável. Não sou petista, muito menos entusiasta do governo Dilma e não tenho simpatia pela pessoa da presidente. Um fato, no entanto, me leva a admirá-la, ainda que parcialmente. O de não ter delatado seus companheiros de organização política, nos anos 1970, nem sob tortura. Admiração semelhante tenho por Roberto Marinho, que protegeu seus empregados sempre que foram atacados. Na ditadura e na democracia.
No caso da resenha, o que fez o professor Luciano Figueiredo? Fugiu de responsabilidades exclusivamente suas, ofereceu minha cabeça numa bandeja e sequer assinou a nota mentirosa da Sabin. É como se ele nada tivesse a ver com o episódio. E ele tem tudo a ver com o episódio. Não estou exagerando quando afirmo que imaginei já ter visto de tudo. De fato, é a primeira vez que vejo alguém mentir, mentir por escrito, e enviar a mentira, muito fácil de desmontar, aos jornais como fez o presidente da Sabin. Naturalmente, em defesa de minha honra, buscarei retratação e reparação.
Na verdade, apesar do pouco tempo de convivência, não foi essa a primeira manifestação de conduta, digamos, heterodoxa, do editor. Em dezembro ele já dera um sinal de sua maneira particularíssima de comandar, ao exorbitar do papel de editor e mandar que eu ajeitasse uma carta que pretendia enviar aos participantes de um festival de história que organizou em nome da revista. Tratava-se do comunicado de um calote. Os participantes, que se deslocaram até Diamantina simplesmente não receberiam o pagamento combinado. Luciano Figueiredo gostou tanto do texto final que me enviou esta mensagem: “Excelente. Até eu gostaria de receber um furo desse, edulcorado com essa prosópia.” A propósito, até a minha demissão, o editor jamais fez qualquer restrição ao meu trabalho como editor de texto da revista. Ao contrário.
Juntando os dois episódios – carta calote e nota da Sabin – apurei meu faro de repórter de forma a me proteger e saber com quem de fato estava lidando. Em consulta à página da Plataforma Lattes, do Cnpq, fiquei sabendo que o professor Luciano Figueiredo é contratado da Universidade Federal Fluminense em regime de dedicação exclusiva. Em consulta ao Gabinete do Reitor da UFFfui informado de que é vedado aos professores contratados sob este regime quaisquer atividades remuneradas, mesmo que relacionadas às suas áreas. E em consulta ao Ministério Público, fiquei sabendo que é crime acumular as duas funções.
Estou relatando esses fatos, senhoras e senhores conselheiros, porque considero o episódio da resenha muito grave, não só para a revista, mas para a democracia. E aproveito a oportunidade para propor uma reflexão. O que é mais grave: Luciano Figueiredo dirigir a Revista de História ou dar aulas na Universidade?
Na minha modesta opinião é muito mais grave ele dar aulas. Todos sabemos da grave crise educacional que o país vive há décadas. E de um professor, penso, não se espera que transmita apenas conhecimento. Ele também deve transmitir valores. Valores que o editor da Revista de História não cultiva e despreza.
Sem mais,
Celso de Castro Barbosa
Um Esclarecimento: os historiadores que participaram do fHist, em Diamantina, foram pagos pela organização do evento, com algum atraso e dificuldade em função da posição da parceira do festival, a RHBN, que não assumiu nenhuma responsabilidade pelo deficit financeiro.
ResponderExcluirNota Comunicação
Esclarecido. Ok.
ResponderExcluirEmbora soe no mínimo curioso que alguém admire Dilma e Roberto Marinho supostamente pelas mesmas razões (afinal, ela foi torturada pelo regime que era apoiado pelo falecido), o caso merece atenção. Sou favorável a que os historiadores e suas associações boicotem a revista.
ResponderExcluir